sábado, 30 de agosto de 2008

O abrir portas

Esses dias uma amiga minha me contou um fato que me deixou bastante empolgada com as relações humanas. É verdade que muitas são péssimas e queremos manter afastadas de nós. Mas... será que não é sempre bem-vindo um alguém que tenha confiança em nosso potencial?
Pois é. Um professor dela apostou com a turma toda que mudaria ela dentro de um determinado tempo. Ela é uma ótima pessoa, e como eu, bastante tímida. No caso dela, ela teve a sorte de ter alguém que se dispusesse a dar um crédito ao seu potencial. No meu caso, conto com algumas pessoas queridas também. Em homenagem a minha grande amiga e a todos que nos apoiam, um conto. O título é o mesmo do post. Muito obrigada!!! Boa leitura!

Ela entrou na sala, queixo quase ao peito, timidamente espiando o piso para não tropeçar e fazer feio. Era seu primeiro dia de trabalho naquele local, e não aguentaria fortes gargalhadas logo no início.
O diretor então ofereceu-lhe a cadeira e ela se sentou, aparentemente pouco confortada no assento. E nem conseguiu desvencilhar seus braços da bolsa, que apertava com vontade contra o corpo.
- Muito bem, Srta. Hoje é sua inauguração como secretária deste setor. Sabe que a contratei pelo impressionante currículo. Nossa secretária, do departamento de relações havia me informado quanto a seu perfil um tanto... reservado. Mas ela me garantiu que a srta. daria conta do recado. Agora, perdoe-me minha informalidade. Cá entre nós, a srta. acha que consegue mesmo dar conta? É que... percebi, é muito mais introvertida do que imaginava.
- Hum... - ela assentiu, meio perdida ainda com a postura de "conversa franca" do diretor. Pensou um pouco antes de dizer qualquer coisa, mas finalmente disse, já que ele parecia ansiar por uma resposta que contivesse mais de três palavras. - É verdade, senhor. Sou bastante tímida. Sim, tímida. Acho que essa seja a palavra mais adequada.
- O diretor, apesar do rumo que a conversa parecia tomar, era uma pessoa bastante flexível e às vezes, podia-se dizer, sensível. Corrigindo seu comportamento, falou-lhe:
- Bem, todo mundo é tímido de alguma forma. A srta. bem vê... há aqueles que morrem de vergonha de chamarem atenção. Mas nessa mesma linha de raciocínio, penso que todos aqueles que adoram chamar atenção têm um pavor intenso de não chamarem atenção.
- É verdade, senhor. Penso dessa forma. Mas na minha opinião, todas estas últimas pessoas a que o senhor se referiu estão um nível acima de mim. - Pôde então dizer, gaguejando algumas vezes, no entanto.
- Talvez - um novo ar de impiedade ressurgiu.
Maior verdade lhes afirmo. O silêncio se alastra rapidamente quando um não quer nada mais dizer e o outro não sabe bem o que dizer. E assim permaneceram por curto tempo, mas suficiente para constrangê-la.
Havia porém algo que lhe passou a semana toda pela cabeça, antes mesmo de ingressar na sala de entrevista. E ela queria dividir essa ideia com o diretor como uma forma de agradecimento.
Começou já nas reticências:
-Senhor... - e esperou ele mostrar audiência.
O diretor apenas lhe fitou brandamente, com um sorriso bastante natural, sem chegar a esticar demais a face.
Ela, ciente de seu interesse, continuou:
- Sei que sou uma pessoa bastante tímida. Sei também que quero mudar um pouco isso. Acho que grandes mudanças são resultados de duas grandes ações. - E parou, esperando que o diretor lhe perguntasse quais eram essas ações.
- Hum - ele somente exteriorizou.
- Que são: a vontade de mudar e uma bela oportunidade. A primeira veio de mim. E vem há tempos, desde que me sei por gente. A segunda veio do senhor. Nesse caso, o senhor abriu uma porta para uma bela transformação. Muito obrigada. Farei bem meu serviço.
E satisfeita, ergueu-se. Pediu licença e se retirou para sua sala.
O diretor continuou sentando, dessa vez apoiando o cotovelo direito sobre o braço da cadeira e alisando o bigode. Passado um tempo, sorriu sozinho em sua sala. E lembrou que um dia fora também um garoto com uma vontade na mão e uma bela oportunidade na outra. Alegrou-se em poder retribuir. E finalmente disse a si mesmo, pensando alto:
- E não é que ela dá conta mesmo?!


por Isa Ueda



quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Feminismo? Que nada!

Quem já não cansou a mente relembrando as memoráveis histórias infantis em que havia uma rainha mandona e um rei sempre pronto para sua submissão?
O caso mais exemplar que posso citar é no desenho da versão "disneyniana", Alice no país das maravilhas. Uma rainha que não podia ser contrariada, e um rei frouxo, digamos, pra não chamá-lo ingênuo ou tonto.
A imagem que consta ao lado é exatamente de Alice no país das Maravilhas, mas do livro de L. Carrol.
A grande questão é: até no jogo de xadrez surge essa grande sobreposição da rainha frente ao rei. Afinal, a rainha anda mais que o rei, embora sua ausência do tabuleiro não implique necessariamente uma vitória (ou derrota, pra quem tem sempre a perspectiva do perdedor ou mesmo negativista) certa.
Feminismo está totalmente fora de cogitação.
A ideia mais plausível que li até hoje encontra-se em O Homem que calculava, de Malba Tahan. Em seu capítulo XVI é narrado a lenda sobre a origem do xadrez. Deixo-lhes alguns trechos:

Difícil será descobrir, dada a incerteza dos documentos antigos, a época precisa em que viveu e reinou na Índia um príncipe chamado Iadava, senhor da província da Taligana. Fora, porém, injusto ocultar que o nome desse monarca vem sendo apontado por vários historiadores hindus como um dos soberanos mais ricos e generosos de seu tempo.
[...]
O rei Iadava possuía - pelo que nos revela a crítica dos historiadores - invulgar talento para a arte militar; sereno em face da invasão iminente, elaborou um plano de batalha, e tão hábil e feliz foi em executá-lo que logrou vencer e aniquilar por completo os pérfidos perturbadores da paz do seu reino.
O triunfo sobre os fanáticos de Varangul custou-lhe, infelizmente, pesados sacrifícios: [...] lá ficou no campo de combate o príncipe Adjamir, filho do rei Iadava, que patrioticamente se sacrificou, no mais aceso da refrega, para salvar a posição que deu aos seus a vitória final.
[...]
- Meu nome - respondeu o jovem brâmane - é Lahur Sessa [...] Deliberei, pois, inventar um jogo que o pudesse distrair e abrir em seu coração as portas de novas alegrias. É esse o desvalioso presente que desejo neste momento oferecer ao nosso rei Iadava.
E explicado a seguir a função de casa peça do jogo o rei indaga:
- E por que é a rainha mais forte e mais poderosa que o próprio rei?
- Mais poderosa - argumentou Sessa - porque a rainha representa, nesse jogo, o patriotismo do povo. A maior força do trono reside principalmente na exaltação de seus súditos. Como poderia o rei resistir ao ataque dos adversários se não contasse com o espírito de abnegação e sacrifício daqueles que o cercam e zelam pela integridade da pátria?
E, após fazer o teste, jogando, chega o rei à conclusão:
Não creio que o engenho humano possa produzir maravilha comparável a este jogo interessante e instrutivo! Movendo essas tão simples peças, aprendi que um rei nada vale sem o auxílio e a dedicação constante de seus súditos. E que às vezes o sacrifício de um simples peão vale mais, para a vitória, do que a perda de uma poderosa peça.

Pois é, eu achei bastante interessante isso. Nada de feminismo. Nesses trechos encontrei um equilíbrio necessário. A rainha mais poderosa no sentido de uma força maior de mobilidade. Mas é exatamente sua ação constante, juntamente a seus súditos que permite ao rei, encravado em seu trono, exercer sua figura de protegido, de admiração por um povo que se sacrifica por ele.
A conclusão aqui é minha. E fecho pensando da seguinte forma. Se o rei andasse tanto quanto a rainha, não daria a ideia de um reino propriamente dito. Afinal, um rei que se locomova a torto e direito não parece estar assim tão preocupado com seu reino. E se à rainha fosse determinada ficar tão mobilizada quanto o rei, seria um verdadeiro machismo permitir que o jogo não acabasse se o opositor lhe comesse (risos, tá vendo o equilíbrio agora?). Realmente, considero o xadrez o jogo mais perfeito do mundo!

sábado, 23 de agosto de 2008

Lição do Calvin

Post leve o de hoje, já que Sábado pra mim é dia pra ser light, pelo menos depois do meio dia :P


Clique na imagem para ampliá-la

Eu a-do-ro essa tirinha! É um jeito bem Calvin de ser, se é que se pode assim dizer. Sinceramente, me leva a pensar muito nesse verso de Mário Quintana:


[Do Estilo]

"O estilo é uma dificuldade de expressão".

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Para refletir I

Em Março de 1983, Marinella García Villas foi assassinada pelos militares na república centro-americana de El Salvador. Fazia vários anos que as forças do governo e os guerrilheiros rebeldes travavam uma feroz guerra civil. Durante essa guerra, uma facção do Exército, juntamente com extremistas, havia raptado e assassinado milhares de pessoas. A jovem advogada Marinella formou um comitê de direitos humanos para investigar casos de desaparecimento e tortura. Em decorrência, acabou indo para a "lista negra" dos terroristas. Ela sabia que sua vida corria perigo.
[...]
No início de 1983, ela visitou uma das zonas de guerra, numa missão de Comitê de Direitos Humanos. Ela nunca mais voltou. Porém, uma carta que escreveu em 1980 nos conta qual era o impulso que a movia:

Eu luto pela vida: um trabalho real, que vale a pena. Não tenho nenhum desejo de morrer, mas já vivi tão perto da morte e de suas consequências que a vejo agora como algo natural. Todos nós devemos morrer um dia, mas a morte sempre virá cedo demais para o homem ou a mulher que tem uma intensa sede de viver. Cada minuto que passa tem um significado, uma profundidade maior do que qualquer outra coisa, mesmo que pareça comum e rotineiro. Cada rajada de vento, cada canto da cigarra, cada revoada de pombos é como um poema.
Sei que os que trabalham pela justiça sempre terão o direito a seu lado e receberão a ajuda de Deus; estes irão pravalecer, e a verdade resplandecerá.
É melhor ser rico de espírito do que em bens materiais.

Será que precisamos enfrentar a morte cara a cara antes de podermos experimentar a vida? Será que precisamos ver nossas ideias e nossos ideais ameaçados e pisoteados para que possamos compreendê-los?
"Os que nunca vivem o momento presente são os que não vivem nunca - e o que dizer de você?", escreve o poeta dinamarquês Piet Hein, num de deus poemas. O pintor e escritor filandês Henrik Tikkanen expressa uma ideia semelhante na seguinte máxima, ou aforismo, que nos dá o que pensar: "A vida começa quando descobrimos que estamos vivos".


Até agora o que você leu faz parte da introdução de O livro das Religiões. A verdade é que vivo essas palavras, essa forma de pensar desde que me conheço como alguém. E embora muitas pessoas já tenham me dito que isso é uma forma de pensar muito senil, acredito que só assim é que se pode verdadeiramente viver. Acho que ninguém precisa passar por nenhuma experiência traumatizante, extremamente difícil ou que ponha sua vida em risco para passar a dar valor a ela. Infelizmente, a rotina faz passar batido essas ideias, e quando menos esperamos, um acidente de natureza qualquer nos põe a encarar o fato de que estamos vivos e precisamos viver. Mas precisa ser assim mesmo? Ou será que já não bastam as pequenas coisas? Já fiz esse tipo de questionamento num post anterior. Existem milhares de pessoas que sofrem todos os dias, sozinhas em seu leito, mas que continuam a amar a vida completamente. Existem outros milhares porém que cruzam as ruas das cidades movimentadas, correm o dia todo, e ainda não se descobriram verdadeiramente vivas, por isso digo que são pessoas mortas.
Como já bem dizia Fernando Pessoa: "Vive um momento com saudade dele".

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Se eu fechar meus olhos...

Continuando a história de uns bons posts atrás, falo-lhes novamente do j-drama 1 litro de lágrimas. Na verdade, para quem já leu, Ikeuchi Aya é uma jovem de 15 anos portadora da doença degeneração espinocerebelar. No caso dela (e é uma história verídica, cujo diário da garota deu origem tanto à série quanto ao livro, ambos homônimos) a evolução da doença progrediu rapidamente, com todos os sintomas se manifestando rapidamente. Os inconvenientes da doença são futura perda da fala, do caminhar, do comer (engolir) e uma série de funções óbvias ligadas ao movimento voluntário. Embora todas as ações fiquem mais lentas, o raciocínio da pessoa não é afetado, não havendo retardamento mental como muitas pessoas crêem.
O post, em verdade, é dedicado à linda canção 9 de Março (Sangatsu kokonoka), que Aya regeu como maestra em seus tempos colegiais. O vídeo retrata o momento em que Aya decide deixar o colégio para transferir-se a uma escola especial para deficientes. A decisão veio de Aya por escutar um dia seus colegas se queixando de como ela estava afetando o desempenho das aulas e dando trabalho aos colegas. A turma, depois de ouvir o discurso de despedida de Aya, sente aquela dor indescritível no peito (chamada arrependimento) e bem, o resto, está bem claro no vídeo.

Ah! Sim! O título do post vem da parte da canção que eu mais gosto, atentem para isso, ok?

"Se eu fechar meus olhos, você está atrás das minhas pálpebras... e quanto isso me fez ficar forte?"

Assistam, por favor!

domingo, 10 de agosto de 2008

Convivência

Saiu hoje, segundo Domingo de Agosto - Dia dos Pais - o seguinte texto, de minha autoria num dos jornais de minha cidade:


Nenhuma grande história para ser lançada como verdadeira metáfora. Apenas o convívio.
Confesso: não há nenhuma história maravilhosa para se contar. Lição de pai decorre de uma vida toda partilhada, e não de mero capítulo isolado da mesma.
Em todos meus inexperientes anos de vida, comparados aos de meu pai, aprendo a cada dia o que é ser, sobretudo, filha. Aprendo diariamente o conforto de um lar, o aconchego de poder dizer todos os dias: "estou em casa" – isto é, eu pertenço a este lugar.
Aprendo também a ser mais tolerante e compreensiva; de criar uma empatia, na maioria das vezes em relação a meu próprio pai. Por ser mulher, garanto que é muito mais difícil tentar compreender as coisas nessa ótica masculina e paterna. Mas, assim, genuinamente e sem segredos, ele me ensina ao menos a tentar entendê-lo.
Pois no final, a maior lição que poderia haver nessa coexistência toda é que: eu sou o espelho de seu comportamento. O rol de críticas que dirijo a ele cabe, ao mesmo tempo, perfeitamente a mim. E cada dia eu o amo e o compreendo mais. Afinal, aprendo a me ver como eu sou: sua filha.

Isa Ueda

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

A tribute to an old friend

Sabe quando bate aquela saudade dos "recém-velhos" tempos? Sim, porque ainda sou nova para tanto saudosismo. Mas enfim. Eu sinto isso muitas vezes.

Hoje por exemplo, é aniversário (sim, mais um) de uma pessoa especial, que conheci nos meus anos de colegial. A afinidade musical foi nosso laço de união.
Hoje eu sei que ela já não curte mais o mesmo som do bom heavy-metal que nos fez o "shake hands" pela primeira vez. Talvez ela também já não faça mais as piadinhas que tanto me faziam rir e contar a todos o quanto ela era engraçada. Nem deve passar as noites varando na net batendo papo no melhor estilo "galera reunida".
O fato é que as pessoas deixam marcas e lembranças em nossas vidas.
Ela é uma garota talentosa. E fez um desenho meu (personalizadíssimo) que eu guardo até hoje com muito carinho.
Seja o que estiver passando pela vida dela, seja por onde ela esteja passando sua vida, queria deixar meus votos de felicidades para ela: Kammy-chan
Em homenagem, posto um desenho dela - inaugurando a tag Artes deste blog - que encontrei no Devianart, e que ela já havia me mostrado há alguns anos.





Fala sério, é ou não é uma artista?

Kammy, pelo seu dia, parabéns!!!

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Um novo homem em casa

Data: 6 de Agosto. Bomba de Hiroshima? Também. Mas o boom mesmo (e me perdoem o trocadilho) veio no ano de 1990, quando um japonês com cara de mestiço nasceu. É, porque diziam que ele tinha olhos quase azuis, imensos. Isso eu já desconheço. Mãe quer sempre impressionar, pensando que no fundo ela sim está impressionada.
Mas pelas fotos que vi do pequeno nascido, realmente, ele era lindo.
Hoje ele se tornou o terceiro homem desta casa. Com 18 anos nas costas (e nos pés, braços, etc), meu irmão caçula é afirmativamente o cara mais estiloso que conheço. Com mil defeitos para detalhar e infinitas outras qualidades para não querer parar de contar, esse é o novo homem da casa.
Promessas de uma vida nova? Bem, tomando um pouco de suas funções, digo-lhes: um dia ele será um grande chef! Por ser um artista quase nato, tem mil habilidades manuais: faz os desenhos mais instigantes que já vi (um dia, com sua permissão, posto um), é também poeta, um fotógrafo bastante sensível, ótimo dançarino e o típico cara que manda bem em qualquer instrumento musical que resolva aprender a tocar e qualquer esporte que deseje praticar. Garanto que, com todas essas características, ele ainda será um verdadeiro sucesso.
Esses são meus votos de felicidade. Sei que você não os lerá (:P) mas tenho muito orgulho em dividir um pouco do que penso a seu respeito para o mundo.

Uma fotinho do artista:
Parabéns!!!

domingo, 3 de agosto de 2008

Quero voltar a ser eu

O post de hoje contém um pequeno trecho de O pescoço da girafa, por Max Nunes.
Tomei conhecimento deste texto no ano passado, durante uma aula de interpretação de textos do cursinho, cujo ingresso meu deu-se por uma bolsa adquirida, caso contrário não o teria em hipótese alguma frequentado.
O fato é que, sempre passando os olhos cuidadosamente pelos textos a que sou exposta (diariamente) algo sempre chama a atenção. Esse foi mais uma obra dessa fisgada discreta que tanto me faz gostar do mundo da escrita.
O nome do post é homônimo ao texto de Nunes. Boa Leitura!

Eu, que era eu – sim, porque eu já fui eu -, cheguei à triste conclusão de que não sou mais eu. Meu nome, que, por isso mesmo, já esqueci, não interessa a mais ninguém. Para um médico, por exemplo, sou apenas o cliente. Num restaurante, sou freguês. Quando alugo uma casa, viro inquilino. Na condução, passageiro. Nos correios, sou remetente. Num supermercado, consumidor. Para o imposto, sou contribuinte; com o prazo vencido, viro inadimplente. Para votar, sou eleitor; mas, num comício, sou massa.
Viajar? Viro turista. Na rua, caminhando, sou pedestre; se me atropelam, sou acidentado; no hospital, paciente; para os jornais, sou vítima. Se compro um livro, viro leitor; para o rádio sou ouvinte; para o Ibope, espectador; e, para o futebol, eu, que já fui torcedor, virei galera.
Já sei que, quando eu morrer, ninguém vai se lembrar do meu nome. Vão me chamar de “o finado”, “o extinto”, “o falecido”, e, em certos círculos, até de “o desencarnado”. Só espero que o padre, na missa de sétimo dia, não me chame de “o sucumbido”. Logo a mim, que, no meu apogeu, já fui mais eu.