quinta-feira, 26 de abril de 2012

Preconceito

E qual foi a grande lição do dia? Após ler o voto do relator Ricardo Lewandowski na ADPF 186/DF sobre cotas na UnB, cheguei à conclusão de que padeço de um mal ainda pouco deflagrado. Eu confesso que não era totalmente a favor das políticas de cotas raciais para ingresso nas universidades. Eu não vislumbrava apenas uma adoção de medida que permistisse aumentar os percentuais de negros/índios, por óbvio. Mas enxergava sim nesse "mecanismo" uma forma de retirar do Governo uma maior responsabilidade em fortalecer as bases da educação a nível fundamental e médio. Acontece que uma coisa não exclui a outra. Ambas são necessárias. Se o Estado é falho quanto à segunda, isso não significa que a primeira não merece sua devida atenção. 
E de que mal padeço? Ora, nas palavras de Florestan Fernandes, posso ser diagnosticada como, segundo Thomas Skidmore* (apud Lewandowski) "ter o preconceito de não ter preconceito", na medida em que creio que "a cor da pele nunca fora barreira para  a ascensão social e econômica dos não brancos pudesse ser atribuída a qualquer outra coisa além do relativo subdsenvolvimento da sociedade ou da falta de iniciativa individual".
Sempre penso comigo mesma: viver, em muitos momentos, nada mais é do que superar preconceitos, mesmo os invisíveis, camuflados sobre convicções falhas e de pouca maturidade. De mim, só posso esperar viver, viver e aprender, viver e superar. 
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* SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro
(1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 296. 

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Uma noite memorável

Todos se despediam, cada um seguindo para seu carro. Os motoristas, já ao lado da porta da condução, acenavam uns aos outros em sinal de adeus; os caronas, por seu turno, metiam, quase apressadamente, as mãos nas maçanetas, abrindo as demais portas dos veículos.
Ela, no entanto, aguardava, a pouco mais de um metro do automóvel, seu amigo destrancar a porta. Ele enfiou a chave e a rodou, sorrindo-lhe gentilmente. Ela agradeceu com um meneio e entrou no carro, batendo de leve a porta com a ajuda dele. Se não fosse pela porta, suas mãos teriam se tocado. Ele deu a partida, e todos deixaram para trás o sítio e as diversões do dia, rumo à estrada poeirenta.
A noite estava estrelada. Um céu inteiro formando um tapete de luzes cintilantes, espiando de cima a insignificância dos seres que as fitavam, desenvaidecidos.
Ela ficou deslumbrada. Não via o firmamento carregado assim de brilho desde que voltara a morar no sul, pensou consigo. Seu amigo, percebendo ou não o fascínio da garota, fez um breve comentário sobre a beleza de tudo aquilo. E acrescentou, rapidamente: “vou fazer algo que não se deve fazer”, e desligou as luzes do farol, ainda guiando o carro. Assim, as estrelas puseram-se a reinar sozinhas e magistralmente naquele momento em meio à pretensa escuridão.
Foram os segundos mais prazerosos que ela teve em muitos anos, a despeito da condução pouco defensiva. Ela encantou-se instantaneamente. Não tinha muita certeza se era pela vista privilegiada, se pela postura de seu amigo em lhe propiciar tal privilégio, ou se por ambas as situações juntas. De uma coisa sabia: naquele momento, algo dentro dela havia despertado. E então, a noite, engolida por infinitas luzes, tornou-se memorável; os faróis novamente acesos, estavam os dois de volta à realidade. Para ela, tarde demais. Era amor. 

De sterrennacht - Vincent van Gogh

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Sobre ser "agradável"

Olha só que interessante. Num mesmo dia encontrei pensamentos convergentes em dois blogs que eu acompanho.
Eis o primeiro deles:

Muita concordância mata um diálogo.  

O segundo vem do blog do Sebastian Marshall, cujo texto eu tomei a liberdade de traduzir já para o português, mas para aqueles que gostam de fidelidade textual basta clicar no link atrás (no blog, ainda é possível verificar que o texto é um excerto de um discurso de graduação). 

"Uma pessoa não precisa ser má para ser odiada. De fato, é comum o caso de alguém ser odiado precisamente porque está tentando fazer o certo baseado em suas próprias convicções. É muito simples ser querido, a pessoa só precisa ser transigente e não manter fortes convicções. Então, a pessoa gravitará em direção ao centro e estabelecer-se-á na média. Este não pode ser o seu papel. Há muitas pessoas ruins no mundo, e se você não as está ofendendo, você deve ser mau em sua essência. Popularidade é um sinal certeiro de que você está fazendo algo errado".

Pior que matar uma conversa que tem potencial para ser prazerosa, é transitar entre o "bom" e o "mau" por medo de ofender as pessoas. É como não saber distinguir o certo do errado. Dá o que pensar, não?