terça-feira, 19 de abril de 2011

Trema

Desconheço a autoria, mas achei o texto divertido e compartilho com vocês.
Eu, que já sofri tanto quando criança para entender porque que "língua" não levava trema e "bilíngue" levava, e por levar bronca de professores que diziam que o trema não eram "dois pauzinhos em cima do U", como eu costumada desenhar. Sim, desenhar, literalmente, em cima do U, quase assim, 'u', só que dentro da letra. Eu que apanhei bastante, sinceramente, gostaria de estar aprendendo a escrever hoje. Mas daí as dúvidas seriam outras... Por que consequência não se escreve consecuência? Já que quente tem som de kente? (sim o K da moda), e por aí iria...

Despedida do TREMA

Estou indo embora. Não há mais lugar para mim. Eu sou o trema. Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali, na Anhangüera, nos aqüíferos, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e cinqüenta anos.
Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente tô fora. Fui expulso pra sempre do dicionário. Seus ingratos! Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes!...
O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio... A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela. Os dois pontos disse que seu sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto ele fica em pé.
Até o cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C cagão que fica se passando por S e nunca tem coragem de iniciar uma palavra. E também tem aquele obeso do O e o anoréxico do I. Desesperado, tentei chamar o ponto final pra trabalharmos juntos, fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões. Será que se deixar um topete moicano posso me passar por aspas?... A verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K e o W, "Kkk" pra cá, "www" pra lá.
Até o jogo da velha, que ninguém nunca ligou, virou celebridade nesse tal de Twitter, que aliás, deveria se chamar TÜITER. Chega de argüição, mas estejam certos, seus moderninhos: haverá conseqüências! Chega de piadinhas dizendo que estou "tremendo" de medo. Tudo bem, vou-me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou. Vou para o alemão, lá eles adoram os tremas. E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar!...
Nós nos veremos nos livros antigos. saio da língua para entrar na história.

Adeus,
Trema.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

O anúncio

Procuro alguém para conversar.
 Não estou à procura de um amor nem de um melhor amigo.
Procuro apenas alguém para conversar.
Procuro alguém que entenda
como pode ser tão humano apenas conversar,
 alguém para quem tudo bem de vez em quando eu dizer o óbvio
só para quebrar o silêncio indesejável,
alguém para quem “bom dia”
não seja mais um sinal da trivialidade na qual nos colocamos dia após dia,
 alguém que saiba que uma conversa
no melhor estilo elevador e “faz sol, faz chuva”
pode ser tão confortante quanto às vezes é preciso estar só.

Procuro alguém para conversar.
 Não quero que se zanguem pela imbecilidade que existe
em dizer que prato comi hoje ou ontem.
Não quero que deixem de me dizer tudo que pensam
apenas porque posso parecer frágil em alguns momentos.
Quero que conversem comigo.
 Não é pela carência.
É mais por um efeito recíproco daquela poesia drummondiana:
 quero escutar voz de gente, deixar de ser pobre!
Mas também gosto de me contar, me dispar e gritar
(mesmo que só por dentro).
Só quero alguém para conversar.

Procuro alguém para conversar.
 Alguém que possa dizer as mesmas coisas
sempre de novas maneiras
sem parecer mentira ou exagero,
 mas que se mentir ou exagerar,
eu me divirta tanto quanto o sujeito que narra,
e que ninguém se machuque por causa disso.
 Alguém a quem eu possa contar a mesma história
 infinitas vezes e rir sempre com a mesma intensidade.
 Ou chorar, por que não?
Não por causa das lembranças em comum.
Mas por causa da revelação,
 de tudo aquilo que aquela conversa representa.

Procuro alguém para conversar.
Não me dêem terapeutas, psicólogos ou pessoas do gênero.
 Não, não há nada de errado com esses profissionais.
Mas também não há nada de errado comigo,
obrigado.
 Eu quero alguém para conversar
sem  ter de encostar minha cabeça num divã
aberto a teorias infindáveis de quem sou pelo que fiz.
Eu quero alguém que possa conversar comigo
sem o olhar de um doutorzinho na vida,
pois que doutores da vida
todos somos desde quando nascemos.

Procuro alguém para conversar
até quando todos os assuntos possíveis tiverem se esgotado,
 e o verbo for algo escasso.
Procuro alguém que saiba que conversar
vai além da sonoridade das palavras:
 uma boa conversa sempre é regada de gestos
 (talvez até bem teatrais),
 risadas, olhares, caretas e até de silêncio.

Por fim, procuro alguém para conversar.
Alguém a quem eu possa dizer “adeus”
sem parecer “adeus” ao pé da letra.
Alguém que entenda que adeus é só uma palavra oca
 que inventaram para partir corações.
 Que seja um “adeus” de brincadeira então,
 só para dar um pouco de saudade e logo dizer “voltei!”
 e daí se conversarem novamente.

Adeus!