quinta-feira, 19 de abril de 2012

Uma noite memorável

Todos se despediam, cada um seguindo para seu carro. Os motoristas, já ao lado da porta da condução, acenavam uns aos outros em sinal de adeus; os caronas, por seu turno, metiam, quase apressadamente, as mãos nas maçanetas, abrindo as demais portas dos veículos.
Ela, no entanto, aguardava, a pouco mais de um metro do automóvel, seu amigo destrancar a porta. Ele enfiou a chave e a rodou, sorrindo-lhe gentilmente. Ela agradeceu com um meneio e entrou no carro, batendo de leve a porta com a ajuda dele. Se não fosse pela porta, suas mãos teriam se tocado. Ele deu a partida, e todos deixaram para trás o sítio e as diversões do dia, rumo à estrada poeirenta.
A noite estava estrelada. Um céu inteiro formando um tapete de luzes cintilantes, espiando de cima a insignificância dos seres que as fitavam, desenvaidecidos.
Ela ficou deslumbrada. Não via o firmamento carregado assim de brilho desde que voltara a morar no sul, pensou consigo. Seu amigo, percebendo ou não o fascínio da garota, fez um breve comentário sobre a beleza de tudo aquilo. E acrescentou, rapidamente: “vou fazer algo que não se deve fazer”, e desligou as luzes do farol, ainda guiando o carro. Assim, as estrelas puseram-se a reinar sozinhas e magistralmente naquele momento em meio à pretensa escuridão.
Foram os segundos mais prazerosos que ela teve em muitos anos, a despeito da condução pouco defensiva. Ela encantou-se instantaneamente. Não tinha muita certeza se era pela vista privilegiada, se pela postura de seu amigo em lhe propiciar tal privilégio, ou se por ambas as situações juntas. De uma coisa sabia: naquele momento, algo dentro dela havia despertado. E então, a noite, engolida por infinitas luzes, tornou-se memorável; os faróis novamente acesos, estavam os dois de volta à realidade. Para ela, tarde demais. Era amor. 

De sterrennacht - Vincent van Gogh

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